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Ilíada: a obra fundadora da literatura ocidental

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Uma história contada e recontada desde antes da invenção da escrita. Deuses batalhando lado a lado a homens no campo de batalha. Uma guerra que destruiu a vida de muitos heróis, durou 10 longos anos e terminou com uma cidade incendiada. Tudo começou pelo julgamento de um homem, que entre o amor, a sabedoria e o poder, escolheu o amor.

Ilíada é um poema épico grego, que acredita-se foi produzido no século VIII a.C., é uma obra fundamental para a cultura ocidental. O texto se desenrola por eventos da Guerra de Tróia (cidade que também é conhecida por Ilion; portanto Ilíada significa contos de Ílion), onde Gregos e Troianos disputam uma longa e sangrenta contenda que começou com uma desavença entre três deusas em um julgamento para saber quem é a mais bela.

Por se tratar de uma epopeia (termo que provém do grego epus que significa história de heróis), é um dos textos fundamentais do período clássico. Narra as glórias e os dramas de incontáveis heróis, e nos conta o que é ser humano e questões que enfrentamos durante nossa vida.

Ilíada é um texto com uma importância fundamental para a cultura da Grécia antiga, e influenciou toda a cultura ocidental desde então. Com diversas adaptações, recontagens e influências, é a base para muitas das histórias que são criadas ainda hoje.

Segundo Harold Bloom, lemos Homero para:

O uso autêntico que devemos fazer de Shakespeare ou de Cervantes, de Homero ou de Dante, de Chaucer ou de Rabelais, é aquele que nos leva a expandir o eu mais interior de cada um. Ler o Cânone em profundidade não fará de alguém uma pessoa melhor ou pior, um cidadão mais útil ou mais nocivo. O diálogo que a mente mantém consigo mesma não é essencialmente uma realidade social.

Tudo aquilo que o Cânone Ocidental pode trazer a alguém é a própria solidão desse alguém, aquela solidão cuja forma final é o confronto de cada um com a sua própria mortalidade.

Harold Bloom, O Cânone Ocidental, 5a edição (2013), página 42-43

Ler a Ilíada foi uma experiência maravilhosa, o livro nos faz conhecer uma cultura riquíssima e refletir sobre diversos temas. É um dos livros fundadores da literatura ocidental, que foi lido por muitas pessoas ao longo da história. De certa forma, é um livro que nos faz conectar com a própria humanidade.

  1. Homero: o autor da obra
  2. A estrutura do livro
  3. O Proêmio
  4. Personagens principais
    1. Ulisses / Odisseu
    2. Tersites
  5. Temas principais
    1. Como a Ilíada nos fala sobre a guerra?
    2. Como a Ilíada nos fala sobre a vida?
    3. Destino na mitologia grega
    4. Pestes e epidemia
    5. Agon Ἀγών discursivo: o debate de ideias
  6. Onde está o Cavalo de Tróia?
  7. Qual tradução da Ilíada ler?
  8. Influência cultural
    1. Ilíada como manual de conduta e ética para os gregos
    2. Ilíada e Arte
    3. Ilíada e o Cânone Ocidental
      1. Influência na literatura grega e romana clássica
      2. Influência na Divina Comédia
      3. Influência na literatura de língua inglesa
        1. Lord Alred Tennyson
        2. Shakespeare
        3. Ulisses, James Joyce
        4. Ithaca, C. P. Cavafy
        5. Mestre dos Mares, de Patrick O’Brian
      4. Influência na literatura de língua portuguesa
        1. Os Lusíadas, Luís de Camões
        2. Ulisses, Fernando Pessoa
      5. Adaptações modernas
  9. Para se aprofundar
    1. Textos e livros
    2. Podcasts
    3. Vídeos
    4. Cursos
    5. Teatro e outras mídias

Homero: o autor da obra

Busto de Homero
Busto com representação tradicional de Homero

Há diversos debates sobre quem foi Homero, o poeta responsável pela obra. Há quem diga que ele era cego, e isso aumentou sua genialidade e seu poder poético. Há quem diga que ele não existiu e na verdade as obras associadas a ele foram criadas por um grupo de diversas pessoas,representando toda uma cultura oral. Os estudiosos do tema utilizam o termo questão homérica para se referir a debates sobre quem foi Homero.

O que sabemos, graças principalmente a pesquisa de Milman Parry sobre tradição oral, é que Ilíada (e também Odisseia) são ricos poemas de uma tradição oral de uma cultura que valorizava os Aedos (ἀοιδός) que eram poetas-cantores que recitavam suas composições acompanhadas de lira. No texto podemos observar elementos característicos de uma cultura oral, que tinha diversas formas e fórmulas para facilitar a memória. Como exemplo podemos citar alguns epítetos que são bastante usados no texto Homérico:

  • Aquiles de pés velozes
  • Apolo que atua ao longe
  • Zeus Crónida soberano
  • Tétis dos pés prateados
  • Hera dos alvos braços
  • Aqueus de belas cnêmides
  • Heitor, domador de cavalos
  • Ulisses de mil ardis

Esses epítetos cumprem algumas funções, além de ser um recurso mnemônico e poético, também revelam informações valiosas sobre a personagem que está sendo descrita. Podemos citar como exemplo “Atena de olhos brilhantes/de olhos esverdeados/de olhos faiscantes, em grego a origem etimológica da palavra “brilhante” é a mesma de “coruja”, devido a ser esse um animal que tem capacidade de enxergar à noite e com olhos brilhantes. A coruja também é um símbolo da sabedoria e é ave associada a deusa Atena.

Aristóteles com o busto de Homero
Aristóteles com o busto de Homero - Rembrandt

Símiles são outro recurso de linguagem bastante utilizados na Ilíada (onde são chamados de símiles homéricos), o que torna o texto mais vivido e memorável. A passagem que compara a marcha do exército grego ao barulho das ondas do mar é belíssima:

Tal como na praia de muitos ecos as ondas do mar são impelidas
em rápida sucessão pelo sopro do Zéfiro e surge primeiro
a crista no mar alto, mas depois ao rebentar contra a terra firme
emite um enorme bramido e em torno dos promotórios
incha e se levanta, cuspindo no ar a espuma salgada --
assim avançavam em rápida sucessão as falanges dos Dânaos para a guerra incessante.

Ilíada, canto IV: 422-428

É importante pensar em como a cultura grega entendia a escrita. Platão declarava que a linguagem é um pharmakon (de onde vem nossos termos fármaco e farmácia), que pode ser um remédio ou um veneno ao possibilitar o registro e transmissão do conhecimento de forma mais facilitada.

“Essa descoberta (a escrita) provocará nas almas o esquecimento de quanto se aprende, devido à falta de exercício da memória, porque, confiados na escrita, recordar-se-ão de fora, graças a sinais estranhos, e não de dentro, espontaneamente, pelos seus próprios sinais. Por conseguinte, não descobriste um remédio para a memória, mas para a recordação. Aos estudiosos oferece a aparência da sabedoria e não a verdade, já que, recebendo, graças a ti, grande quantidade de conhecimentos, sem necessidade de instrução, considerar-se-ão muito sabedores, quando são, na sua maior parte ignorantes; são ainda de trato difícil, por terem a aparência de sábios e não o serem verdadeiramente. … Portanto, quem julgasse transmitir na escrita uma arte e quem, por sua vez, a recebesse, como se dessas letras escritas pudesse derivar algo de certo e de seguro, mostraria muita ingenuidade … se crêem que os discursos escritos são algo mais do que um meio de fazer recordar a quem as sabe já as matérias tratadas nesses escritos. … É isso precisamente … o que a escrita tem de estranho, que a torna muito semelhante à pintura. Na verdade, os produtos desta permanecem como seres vivos, mas, se lhes perguntares alguma coisa, respondem-te com um silêncio cheio de gravidade. O mesmo sucede também com os discursos escritos. Poderá parecer-te que o pensamento como que anima o que dizem; no entanto, se, movido pelo de aprender, os interrogares sobre o que acabam de dizer, revelam-te uma única coisa e sempre a mesma. E, se uma vez escrito, todo o discurso rola por todos os lugares, apresentando-se sempre do mesmo modo, tanto a quem o deseja ouvir como ainda a quem não mostra interesse algum, e não sabe a quem deve falar e a quem não deve. Além disso, maltratado e insultado injustamente, necessita sempre da ajuda do seu autor, uma vez que não é capaz de se defender e socorrer a si mesmo.” (Fedro, c. 370 aEC.)

Como diziam os romanos: Verba volant, scripta manent, que é um ditado que pode ser entendido de duas formas: a escrita é superior, pois as palavras são esquecidas; a palavra é superior, pois a escrita se torna permanente.

Para ouvir o proêmio da Ilíada, em grego e em português: Ilíada, vv. 1-7 (música: C. Leonardo B. Antunes; tradução: Carlos Alberto Nunes)

A estrutura do livro

O livro são divididos em 24 cantos, que o tradutor Haroldo de Campos nomeou da seguinte maneira:

  1. Ménis, a ira de Aquiles
  2. Os nomes e os navios
  3. Makhé: o duelo Páris-Menelau
  4. Epiorkía: o perjúrio
  5. A gesta de Diomedes
  6. Heitor e Andrômaca: o adeus
  7. Heitor versus Ájax: combate singular
  8. Kólos mákhe: Combate interminável
  9. Embaixada a Aquiles. A súplica
  10. Ronda noturna: Doloneia
  11. A gesta de Agamêmnon
  12. Muromaquia: o assalto
  13. Paranaumaquia: combate junto às naus
  14. Diòs Apáte: Zeus Iludido
  15. Contra-ataque à beira-nau
  16. Patrocleia
  17. Aristeia: a gesta de Menelau
  18. Panóplia: as armas
  19. A Ira, Mênis, amaina
  20. Teomaquia: o combate dos deuses
  21. Mákhe parapotámos: Batalha à beira-rio
  22. Anaíresis: morte de Heitor
  23. Torneio em tributo à Pátroclo
  24. Héktoroslútra: Heitor resgatado

A poesia épica de homero usa o chamado hexômetro datílico, constituindo de seis dactílicos (uma sílaba longa e as duas seguintes breves; como as falanges em um dedo). Ler poesia no original em grego está definitivamente muito longe do que eu consigo, mas para quem tiver interesse há muito material online para estudar.

O Proêmio

A chave para entender a Ilíada é o termo grego μῆνις - Mênis - Furia, ira, cólera. É o principal sentimento que guia Aquiles pela obra, o que causa momentos de beleza e de tragédia. Na edição lançada pela Companhia das Letras, temos o seguinte proêmio:

Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida
(mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus
e tantas almas valentes de heróis lançou no Hades,
ficando seus corpos como presa para cães e aves
de rapina, enquanto se cumpria a vontade de Zeus),
desde o momento em que primeiro se desentenderam
o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.

trad. Frederico Lourenço [2005] - O proêmio da Ilíada

Já numa tradução pelo maior autor brasileiro, o Bruxo do Cosme Velho escreveu:

Ó deusa, canta a colera tremenda
Do filho de Peleu, o bravo Achilles,
Que numerosos males fez aos dânaos
E enviou, para o Orco, antes de tempo,
Mui grande cópia de valentes almas
De heroes, seus corpos dando a cães e abutres.
De Jupiter o mando se cumpria,
Desde o momento, em que discordia veiu
Inimizar aquelle heroe divino,
Com o Atrida, dos gregos commandante.

trad. Machado de Assis [1904] - O proêmio da Ilíada

Para o autor Leonard Muellner em seu estudo “The Anger of Achilles: Mênis in Greek Epic”, a mênis é um sentimento complexo e muitas vezes pouco compreendido. Segundo ele, geralmente são os deuses olímpicos que sentem mênis e que Aquiles é uma exceção a essa regra. Os gregos usavam a palavra kótos para o que entendemos como raiva, e não é sobre isso que o épico trata. Por usar mênis, Homero tinha em mente algo muito mais profundo e assustador, uma ira digna dos deuses que são capazes de causar destruição avassaladora quando irados. É esse sentimento que Aquiles está sentindo, ele que é mortal mas que de acordo com as profecias poderia ter sido maior que Zeus, e os efeitos disso que são o tema dessa magnífica obra.

Personagens principais

Há muitos personagens interessantes na Ilíada, e muitos deles foram desenvolvidos em outras obras e mitos (tanto greco-romanas da antiguidade, quanto obras mais recentes).

Dentre as personagens femininas gosto de destacar a própria Helena, e a eterna disputa sobre seu papel na guerra de Tróia. Há uma passagem em que ela desafia a deusa Afrodite e demonstra que não está contente com a situação que a deusa provocou:

"Deusa surpreendente! Por que deste modo queres me enganar?
Na verdade me levarás para mais longe, para uma das cidades
bem habitadas da Frígia ou da agradável Meônia,
se também lá existir algum homem mortal que te é caro,
visto que Menelau venceu o divino Alexandre e agora
intenta levar para casa a mulher detestável que eu sou.
Por isso agora aqui vieste como urdidora de enganos.
Vai tu sentar-te ao lado dele, abjura os caminhos dos deuses
e que não te levem mais teus pés ao Olimpo!
Em vez disso estima-o sempre e olha por ele,
até que ele te faça sua mulher, ou até sua escrava!
Mas eu para lá não irei -- seria coisa desavergonhada --
tratar do leito áquele homem. No futuro as Troianas
todas me censurariam. Tenho no peito dores desmedidas."

Outras personagens femininas de destaque são Cassandra (como cientistas modernos que nos avisam de perigos vindouros mas não recebem o devido crédito), Criseida, Andrómaca, e as deusas Tétis, Hera, Afrodite e Atena.

Personagens masculinos principais de Ilíada

Já dos personagens masculinos temos muitos e potentes guerreiros. Aquiles é o personagem principal, é ele o mais poderoso guerreiro e a história se move por e para ele. Pátroclo é seu companheiro, cujo a morte causa grande dor. Temos também o líder dos exércitos gregos, o poderoso Agamenon; o potente Diomedes; Heitor, o principal guerreiro troiano e arqui-inimigo de Aquiles; Eneias, filho de Afrodite, que mais tarde vai ganhar seu próprio épico sob as mãos de Vírgilio; Páris, também chamado de Alexandre, o príncipe troiano que causou sua ruína. Entre os deuses temos Zeus, Apolo, Poseidon, Hermes, Hefesto e Ares.

Dentre os personagens masculinos eu destaco dois, pela sua importância para a história da literatura: Odisseu/Ulisses e Tersítes.

Ulisses / Odisseu

Ulisses é um dos personagens que foi mais utilizado na literatura. Com sua fala política e seu jeito inteligente, com caráter duvidoso, passou duas décadas longe de casa e voltou para reconquistar seu reino, família e posição. Foi tema de diversos livros, poemas, reencenações e recontagens ao longo da história.

No seu belo estudo intitulado The Ulysses Theme [ «0 Tema de Ulisses» J (1963), W. B. Stanford coloca o tratamento em surdina, mas negativo, que Virgílio faz de Ulisses em contraste com a identificação positiva de Ovídio com Ulisses. Este contraste encerra duas das maiores posições que provavelmente sempre se combaterão nas metamorfoses deste herói, ou deste herói-vilão. O Ulisses de Virgílio virá a ser o de Dante, mas tão transfigurado que o retrato bastante evasivo dado por Virgílio tende a esbater-se. Incapaz de condenar Ulisses directamente, Virgílio transfere esse trabalho para as suas personagens, as quais vão identificar o herói da Odisseia com a perfídia e o engano. Ovídio, um exilado e um pinga-amor, confunde-se a si próprio com Ulisses numa identidade compósita, legando-nos desse modo aquela que é hoje em dia a ideia mais estável de Ulisses como o primeiro dos grandes viandantes mulherengos.

O Cânone Ocidental, por Harold Bloom, página 93

Tersites

Tersítes é um personagem curioso de Ilíada. Ele tem um papel pequeno mas importante na obra homérica, Ele aparece no canto II, durante a assembleia dos gregos, e reclama de estar lutando nessa guerra onde só os mais nobres estavam colhendo os louros da disputa:

Filho de Atreu, estás descontente? Falta-te alguma coisa?
As tuas tendas estão cheias de bronze e muitas mulheres
escolhidas estão nas tuas tendas, essas que nós Aqueus
te demos em primeiro lugar, quando saqueávamos uma cidade.
Ou será ouro que tu queres? Ouro que te traga um dos Troianos
domadores de cavalos de Ílion, como resgate pelo filho,
que eu ou outro dos Aqueus capturei e trouxe para cá?

Ilíada, Canto II, 225.

Estudiosos da literatura veem paralelos entre esse personagem (pobre, oprimido, do povo) em outros livros, como o “velho do restelo” em Lusíadas (que fala com Vasco da Gama, argumentando contra as grandes navegações que estariam empobrecendo os portugueses) e o mesmo personagem por Saramago, bradando contra o voo da Apollo até a Lua.

Temas principais

A Ilíada fala de um momento específico dessa guerra, onde Aquiles, o principal herói grego, se sente menosprezado pelo poderoso soberano Agamenom que lhe retira a Crisêida, uma mulher que é o prêmio que Aquiles recebeu por saquear uma cidade aliada dos Troianos. Nesse momento, Aquiles se sente irado e decide sair da luta – deixando os gregos à mercê dos Troianos.

A guerra de Tróia foi causada pela beleza de uma mulher e pela disputa entre dois povos. Milhares de homens foram mortos e a grande cidade de Ílion foi destruída. No entanto, algo de novo nasceu diante das muralhas de Tróia: a ideia de uma só Grécia e as bases da maior aventura épica ocidental.

Como a Ilíada nos fala sobre a guerra?

O imperativo moral da Ilíada é a kleos (κλέος, glória). Para uma sociedade primariamente oral e com forte tradição de vida em grupo, os valores morais são bem diferentes do que temos hoje em dia. Para nós, temos que ser felizes. Se não estamos felizes significa que estamos fazendo algo errado. Nós mostramos nossas conquistas, nossa vida feliz, em redes sociais para que todos possam checar que estamos felizes. Buscamos a efemeridade da felicidade a todo instante. Para a sociedade grega, o seu imperativo moral é a glória. O objetivo de Aquiles é ter seu nome lembrado para sempre, através de seus atos gloriosos. A sociedade grega é muito mais gregária, pensando na coletividade. Já na sociedade contemporânea somos muito mais individualistas. A minha felicidade é o que importa, é a minha meta.

Aquiles só consegue a glória que almeja, se for chancelado pelo coletivo. Somente se os gregos o verem atingir a glória, e relembrarem disso através de canções, ele vai conseguir atingir seus objetivos. A guerra, para a sociedade grega dessa época, era uma forma de engrandecer, de conquistar renome e glória para o homem e para o coletivo.

Para isso, os adversários na guerra eram elogiados e engrandecidos. Quanto mais poderoso for o guerreiro que você conseguir derrotar, maior é a kleos que você está conquistando. Nas guerras atuais, os inimigos precisam ser demonizados (transformados em seres vis, coisificados, tornados menos que humanos). Os antropólogos chamam essa noção de “outgroup” x “ingroup”.

Como a Ilíada nos fala sobre a vida?

Para os gregos, os sentimentos e emoções são coisas externas que os acometem, e de certa forma isso os poupa de culpa por seus erros. Eros e Afrodite são culpados quando os gregos se apaixonam. Zeus ou algum outro deus é culpado pelo desvario (atë) de Agamêmnon, que o levou a desrespeitar Aquiles.

  • ὕϐρις húbris “tudo o que passa da medida, descomedimento”. Em certo sentido, a infração de Agamêmnon no primeiro livro da Ilíada é relacionada com a húbris, por ter despojado Aquiles da parte da pilhagem que lhe deveria corresponder por justiça. Agamêmnon se sentiu superior aos demais, achando que seria indevido para usa honra ser o único a não ficar com um despojo de guerra, e com esse pensamento ele cometeu a injustiça que dá o ínicio para a história.
  • ἀρετή areté - adaptação perfeita, excelência, virtude. Para os gregos, a virtude coincide com a realização da própria essência, com cumprir o seu propósito na vida.
  • timé - a honra. Aquiles sente que sua timé foi violada quando Agamêmnon lhe retira Briseida, e para a sociedade grega isso era uma questão de fundamental importância:

Para Agamemnon e para Aquiles a questão Criseida/Briseida está no status que cada um ocupa. Se a timé de Agamemnon fora assegurada para que ele exercesse o poder de Anax entre os Aqueus, era preciso que Agamemnon e os Aqueus reconhecessem e distinguissem o lugar de Aquiles. Os personagens de Homero só têm existência enquanto membros de um grupo, e como tal preservam seus direitos ou deixam de viver. A relação social entre uma pessoa e outra se define por direitos e deveres; por atitudes e práticas de comportamento socialmente aprovadas. Estes direitos e deveres são condições necessárias de permanência da sociedade

AS REALEZAS EM HOMERO: GÉRAS E TIMÉ - Neyde Theml

  • Λύσσα lýssa - ira, raiva, fúria. Como exemplo podemos citar: Herácles, incitado por lýssa matou sua esposa e seu próprio filho.
  • Ἄτη atë - desvairio (Agamêmnon, Canto IX, 18 - 116; Fênix: ouça as Preces e não o Desvairio, Canto IX 499-514).
  • Ἔλεος eleos - compaixão, empatia, piedade. É o que Príamo consegue provocar em Aquiles, quando ele (um rei idoso que acabara de perder o filho querido) vai à tenda de Aquiles suplicar pelo corpo de seu filho e beija na mão do Aquiles – que foi seu assassino. Esse sentimento foi o único que fez parar a cólera / mênis de Aquiles Presentes, dinheiro, gregos sofrendo, discursos e argumentos lógicos do melhor orador, nada disso conseguiu frear a cólera de Aquiles, somente eleos (compaixão).

Destino na mitologia grega

Durante a leitura do livro, um dos questionamentos que vem á cabeça é sobre destino. Zeus parece controlar os acontecimentos e ter um plano definido para o que viria a acontecer desde o momento em que a discussão sobre a deusa mais bela acontece. Como os gregos pensavam sobre destino e livre-arbítrio? Como Zeus e as moiras (Μοῖραι, as três irmãs que determinam o destino) influenciaram o pensamento grego? Como nós, do século XXI, pensamos sobre destino?

Pestes e epidemia

No primeiro canto da Ilíada os soldados gregos em seu nono ano de cerco á Tróia são acometidos por uma doença misteriosa. Homens e animais começam a cair ás dezenas. O medo vai crescendo entre os comandantes gregos. Afinal, o que está acontecendo?

Naquele tempo, catástrofes naturais e humanas eram atribuidas aos deuses. Profetas, advinhos e oráculos eram os únicos capazes de revelar a vontade divina e oferecer uma explicação para mistérios. Em 2020 coube à médicos e cientistas o papel de revelar a verdade sobre a maior pandemia do século XXI.

“"(…) ouvi-o Febo Apolo Desceu do Olimpo, com coração agitado de ira. Nos ombros trazia o arco e a alijava duplamente coberta; aos ombros do deus irado as setas chocalhavam à medida avançava. E chegou como chega a noite.

Depois sentou-se à distância das naus e disparou uma seta: terrível foi o som produzido pelo arco de prata. Primeiro atingiu as mulas e os rápidos cães; mas depois disparou as setas contra os homens. As piras dos mortos ardiam continuamente.”

Ilíada - Homero. Tradução por Frederico Lourenço

Hoje temos a expressão “A flecha de Apolo” para nos referirmos á epidemias. Um dos nomes de Apolo, smitheus, também está para sempre relacionado a sua capacidade de curar e causar doenças.

Agon Ἀγών discursivo: o debate de ideias

Aquiles e os embaixadores de Agamemnon
Quadro: The Ambassadors of Agamemnon in the tent of Achilles (1801), Ingres , 1788, Jacques-Louis David. Odisseu está vestido em vermelho, acompanhado do ancião Fênix e de Ájax; encontram Aquiles e Pátroclo relaxados junto com uma lira.

“Atrida, lutarei primeiro contra ti na tua loucura, onde é lícito, ó soberano, que o faça: na assembleia.”

Ilíada, Canto IX 32-33

Para os gregos, agon (Ἀγών) é um termo usado para diversos tipos de conflitos e concursos. Isso pode ser aplicado a competições atléticas (como a olimpíada), festivais (as magníficas tragédias e comédias gregas foram produzidas para festivais públicos) e debate de ideias (na ágora grega; nas assembleias).

Harold Bloom usa bastante o conceito de agon para falar de conflitos entre obras literárias através dos séculos.

A literatura forte, necessariamente agonística, quer ela queira quer não, é impossível de ser separada das suas ansiedades acerca das obras que têm prioridade e autoridade em relação a ela. Embora a maior parte dos críticos resista a compreender os processos de influência literária, ou tente idealizar esses processos como sendo totalmente generosos e amistosos, as verdades nuas e cruas da competição e da contaminação fortalecem-se cada vez mais à medida que a história canónica se expande no tempo. Por maior que seja a sua impaciência de abordar directamente questões sociais, um poema, uma peça ou um romance são necessariamente forçados a aparecer através de obras precursoras “O Cânone Ocidental”, Harold Bloom

Para a sociedade grega antiga, a retórica era muito valorizada. Toda a construção de mundo, a persuasão e a troca de conhecimento deve ser feita através da retórica – e para isso usando de discursos em assembleias.

Tidida, no que toca à guerra és muito possante,
e no conselho és o melhor dos teus coetâneos.
Ninguém amesquinhará o teu discurso entre os Aqueus,
nem refutará; mas não atingiste ainda a perfeição das palavras.

(...) Homem sem raça, sem lei e sem lar é aquele
que ama a guerra terrível entre o seu próprio povo.

(...) E quando muitos estão reunidos, deixater-te-às convencer por aquele
que emitir o melhor conselho

Ilíada Canto IX - 53-75

No interessantíssimo canto IX, uma delegação de heróis gregos forma uma assembleia para aconselhar Aquiles ("tecer-lhes a teia da prudência"; canto IX: 93) e temos três tipos de discursos sendo feitos para convencer Aquiles a voltar para a batalha: Odisseu usa fatos e lógica; Fênix faz um belíssimo apelo emocional (pathos πάθος) e pedagógico, educando pelo exemplo; e Ájax faz um discurso usando argumentos éticos, apelando para a amizade e a honra.

Para ti mesmo sofrimento haverá no futuro. E remédio de mal praticado não se encontrará. Odisseu em Ilíada, Canto IX: 249-250

De onde temos algumas excelentes respostas de Aquiles:

Como os portões do Hades me é odioso aquele homem que esconde uma coisa na mente, mas diz outra. Ilíada. Canto IX: 322-323

Pois extorquíves são os bois e robustas ovelhas e adquiríveis são trípodes e flavos cavalos; mas a vida de um homem volte de novo, depois de lhe passar a barreira dos dentes, isso não é possível por extorsão ou aquisição.

Já Fênix, usa a emoção para tentar influenciar Aquiles. Cita histórias mitológicas e tenta ensinar pelo exemplo (o que é a base da pedagogia grega).

Por isso, ó Aquiles, domina o teu espírito orgulhoso! Não te fica bem um coração insensível. Os próprios deuses cedem, eles que têm maior valor, honra e força. Fênix em Ilíada, Canto IX: 496-498

Para alguns estudiosos de Homero, o mito de Meleagro e o javali de Cálidon é o mitema (particula elementar irredutível de um mito; está para um mito assim como o bit está para informação e o gene para o genoma) da Ilíada. Segundo essa interpretação, o mito que Fênix conta (canto IX: 527-605) tem a função de sensibilizar Pátroclo para que este influencie Aquiles. Pátroclo cumpriria função equivalente à de Cleopatra no mito, e isso fica ainda mais evidente pelo jogo de palavras em seus nomes (Pátroclo e Cleopatra significa “glória ao pai”, ambos têm versões femininas e masculinas do mesmo nome). Ainda de acordo com essa interpretação, essa era uma forma cifrada de Fênix mostrar que sabia da relação amorosa entre Aquiles e Pátroclo, e tentar usar essa relação para influenciar o retorno do herói grego ao campo de batalha.

Aristóteles em seu tratado sobre Retórica bebeu desse canto IX para pensar sua teoria do discurso.

“Para completar o quadro dos ideais e tradições homéricas, é preciso esquecer o conceito moderno de “filósofo”, como sonhador metafísico ou como investigador intrépido de verdades novas e cada vez mais profundas. O filósofo grego é, em primeira linha, um retor, um “sofista”, um homem habilíssimo, que ensina mil recursos para vencer na vida política e judiciária; um descendente espiritual de Ulisses”

História da Literatura Ocidental - vol 1, por Otto Maria Carpeaux, página 73

Onde está o Cavalo de Tróia?

The Procession of the Trojan Horse into Troy - Giovanni Battista Tiepolo
The Procession of the Trojan Horse into Troy from Two Sketches Depicting the Trojan Horse, oil on canvas by Giovanni Domenico Tiepolo, c. 1760; in the National Gallery, London.

A Ilíada foca em acontecimentos no penúltimo ano da Guerra de Tróia, mas termina antes da queda da cidade. Não há nenhuma menção ao famoso Cavalo de Tróia. Esse acontecimento é descrito brevemente na Odisseia, quando os feitos da Guerra de Tróia estão sendo cantados e relembrados.

Helena de Tróia desconfia do Cavalo e imita vozes de esposa de guerreiros gregos, para tentá-los:

“Sim, em tudo isso, esposa, disseste a verdade. Eu que viajei muito e cheguei a conhecer muitos heróis, nunca meus olhos viram alguém como Odisseu. Que perseverança, e que coragem ele mostrou dentro do cavalo de madeira, onde estavam todos os mais bravos dos argivos esperando para levar a morte e a destruição aos troianos. Naquele momento vieste a nós; algum deus que amava os troianos te mandou, trazendo contigo Deífobo. Três vezes tu andaste em volta do nosso esconderijo; tu chamaste nossos capitães cada qual por seu nome, imitando as vozes de suas esposas - Diomedes, Odisseu e eu, de nossos assentos, ouvimos o que dizias. Diomedes e eu não conseguíamos decidir se devíamos sair, ou se responder, mas Odisseu nos impediu, de modo que permanecemos em silêncio, exceto Ânticlo, que estava prestes a falar-te, quando Odisseu tapou-lhe a boca com suas mãos. Isso nos salvou a todos, até que Atena te fez ir embora”

Odisseia

Também é descrito como os guerreiros gregos estavam se sentindo dentro do Cavalo, momentos antes da tomada da cidade:

“Quando todos os mais bravos dos argivos estavam dentro do cavalo que Epeu havia criado, e quando tocou a mim decidir a oportunidade de abrir ou fechar a porta para nossa emboscada, embora todos os outros chefes entre os dânaos (gregos) estivessem enxugando seus olhos e tremendo em todos os seus membros, nunca o vi empalidecer ou derramar lágrimas de medo; ele em vez estava sempre urgindo que eu abrisse o cavalo e, de espada em punho, e com a lança de bronze, investíssemos em fúria contra o inimigo”.

Odisseia, canto VIII

Outros autores, como Vírgilio, detalham o que ocorreu no fim de Tróia. Na Eneida temos mais descrições sobre o Cavalo de Tróia e como foram os últimos momentos da cidade. No Livro II, o adivinho Laocoonte alertando seus compatriotas Troianos:

“Míseros cidadãos, quanta insânia! Estão de volta os gregos, ou julgais que seus presentes são livres de engodos? Desconheceis o caráter de Ulisses? Ou este lenho é esconderijo de inimigos, ou é máquina que, armada contra os muros, vem espiar e acometer-nos. Teucros (troianos), seja o que for, há dano oculto: desconfieis do monstro! Temo os dânaos mesmo quando dão presentes!”.

Eneida, livro II

Qual tradução da Ilíada ler?

A tradução que eu li e recomendo é a do Frederico Lourenço lançada pela Companhia das Letras. Há diversas outras em português e cada uma delas tem um foco diferente (ser mais fácil de ler, ser fiel à métrica do poema). O Alex Castro explica melhor em seu texto Qual Ilíada Ler?

Também há uma dissertação excelente sobre as traduções de Ilíada em português, para quem tiver interesse no contexto histórico dessas traduções eu recomendo a leitura de “O texto pelo avesso: a gênese das traduções em português da Ilíada - Tatiana Alvarenga Chanoca”

Influência cultural

Ilíada como manual de conduta e ética para os gregos

As nossas instituições educativas estão hoje em dia atravancadas de idealistas ressentidos que condenam a competição tanto na literatura como na vida, mas o estético e o agonística são uma única coisa, como nos é dito por todos os antigos gregos e por Burckhardt e Nietzsche, que recuperaram esta verdade. O que Homero ensina é uma poética do conflito, uma lição aprendida pela primeira vez pelo seu rival Hesíodo. Todo o Platão, como foi observado pelo crítico Longino, se encontra no incessante conflito do filósofo com Homero, que é expulso d' A República, mas em vão, pois foi Homero e não Platão quem permaneceu como o manual dos Gregos

O Cânone Ocidental, Harold Bloom

Ilíada e Arte

Paris e Helena
Les amours de Pâris et d'Hélène, (1788), Jacques-Louis David.
Zeus e Tétis
Júpiter and Tetis, Dominique Ingres.
Foi quando sobreveio a décima segunda aurora
que para o Olimpo regressaram os deuses que são para sempre,
todos juntos, e foi Zeus a liderá-los. Não olvidou Tétis
os pedidos de seu filho, mas emergiu de manhã cedo
da onda do mar e subiu ao rasgado céu, ao Olimpo.
Encontrou Zeus que vê ao longe sentado longe dos outros,
no píncaro mais elevado do Olimpo de muitos cumes.
Sentou-se junto dele e com a mão esquerda lhe agarrou
os joelhos, enquanto com a direita o segurava sob o queixo.
Em tom de súplica dirigiu a palavra a Zeus Crônida soberano:
"Zeus pai, se entre os imortais alguma vez te auxiliei
com palavras ou atos, faz que se cumpra esta minha prece:
honra o meu filho, aquele que acima de todos os outros
está destinado a vida curta. Pois agora Agamêmnon, soberano
dos homens, o desonrou, tirando-lhe o prêmio pela arrogância.
Mas mostra-lhe tu a recompensa, ó conselheiro Zeus Olímpio!
Concede a primazia aos Troianos, até que os Aqueus
honrem meu filho e lhe paguem com honraria devida."

liada, canto I:493-510; Tradução Frederico Lourenço.

Iliada - Heitor e Paris
Hector and Paris, Benjamin West.
Paris eHelena
Paris e Helena
Iliada - Aquiles lamentando a morte de Patroclo
Aquiles lamentando a morte de Patroclo

Ilíada e o Cânone Ocidental

Ilíada e Odisseia são livros muito influentes na cultura Ocidental, sendo lido e referenciado por muitos autores ao longo dos séculos desde que foi criado. Foi lido por líderes e artistas, políticos e cidadãos comuns. É um livro que nos liga à humanidade, aos que já se foram e aos que ainda irão vir.

Harold Bloom nos lembra que um dos personagens da Ilíada, Ulisses / Odisseu, já foi usado em diversas obras ao longo dos tempos.

Circundando a ardente reflexão poética de Tennyson (“Ulisses”), temos outras versões de Ulisses, desde a Odisséia, de Homero, e o Inferno, de Dante, a Tróilo e Créssida, de Shakespeare, e a transformação de Ulisses, operada por Milton, na figura do Satã dos primeiros livros de Paraíso Perdido. Indireto e contrapontístico, o “Ulisses” de Tennyson possui uma eloqüência notável, bastante acessível à memorização, talvez, porque, em muitos leitores, existe algo que promove uma imediata identificação com esse herói tão ambíguo, essa grande figura da Literatura Ocidental.

Como e Por Que Ler, Harold Bloom, página 70

O crítico literário Otto Carpeaux relata em sua História da Literatura Ocidental, como a literatura grega é fundamental para a humanidade:

No estudo Três Fontes e Três Elementos do Marxismo , Lênin caracteriza o marxismo como herdeiro legítimo da filosofia alemã, da economia política inglesa e do socialismo francês. Nas origens desses três elementos encontram-se pensamentos antigos: o idealismo acadêmico, o materialismo epicureu e a utopia platônica. Não será difícil demonstrar, da mesma maneira, a presença invisível da Antiguidade em todos os setores do pensamento moderno; e do pensamento antigo, a literatura antiga é a mais completa expressão emotiva. Daí se origina o fato de todos os gêneros literários ainda hoje existentes haverem sido criados pelos gregos, tendo-nos sido transmitidos pelos romanos.

[História da Literatura Ocidental](https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/528992), Otto Maria Carpeaux página 71.

Influência na literatura grega e romana clássica

Há diversos textos grego-romanos clássicos que contam sobre a guerra de Tróia, com antecedentes ou acontecimentos posteriores. Alguns deles nos contam do destino de alguns personagens homéricos. Os mais importantes são:

  • Odisseia, de Homero
  • Oréstia, de Ésquilo
  • Filoctetes, de Sófocles
  • Ajax, de Sófocles
  • Eneida, de Virgílio
  • Ifigênia em Áulis, de Euripedes
  • Electra, de Euripedes
  • As Troianas,de Eurípedes

A Ilíada, junto com a Odisseia, fazem parte de um grupo de poemas antigos que contavam a história da guerra de Tróia e outros eventos relacionados a ela. A maioria desses textos foram perdidos. O Ciclo Épico (Troioano) completo:

Influência na Divina Comédia

A Divina Comédia é um poema épico e teológico escrito no século XIV com muitas influências homéricas. Dante (o autor-personagem) encontra Homero no limbo em suas andanças. Além de contar com outros personagens homéricos, entre eles destaco Ulisses/Odisseu:

Quando
de Circe me parti, que me ocultara
mais de ano, ao pé de onde Gaeta queda,
antes que assim Eneias lhe chamara,
nem doçura de filho, ou que se apieda
do velho pai, nem o devido amor
que Penélope então fizera leda,
vencer puderam dentro em mim o ardor
que eu tive em me tornar do mundo experto,
e dos humanos vícios e valor;
mas cometi-me ao alto mar aberto
cum lenho só e a só pouca componha
da qual nunca em viagem fui deserto.
Vi os dois litorais até à Espanha,
até Marrocos, e à ilha dos Sardos,
e as outras que em redor o mar lá banha.
Chegámos, eu e os outros, velhos, tardos,
àquela foz estreita, a que submeta
Hércules com sinal de seus resguardos,
a fim que mais além não se cometa:
à mão direita lá deixei Sevilha,
da outra me havia já deixado Cepta.
« Ó irmãos», disse, «que por tanta milha
de perigos viestes a ocidente,
a tão breve vigília que nos brilha
nos sentidos, e que é remanescente,
não negueis experiência e sem detença
siga-se o sol, no mundo sem ter gente!
E que a vossa semente agora vença:
não fostes feitos a viver quais brutos,
mas a seguir virtude e conhecença.»
E os companheiros meus fiz tão argutos,
co esta breve oração, para o caminho,
que esforços de os reter são diminutos;
virada a popa a amanhecer marinho,
já dão os remos asa ao voo tolo
e ao lado esquerdo sempre mais vizinho.
Os astros todos já do outro pó/o
à noite via, e o nosso ser tão escasso
que não sai fora do aquoso solo.
Cinco vezes aceso e cinco baço
o lume sob a lua já se arruma,
após termos entrado no alto passo,
quando vimos montanha que se abruma
pela distância, ali subindo tanto
que eu nunca tinha visto assim nenhuma.
Se ledas fomos, cedo voltou pranto:
da nova terra um turbilhão brotava
que ao lenho se abateu no extremo canto.
E na água já três vezes desandava:
à quarta, a popa para cima trouxe
e a proa ao fundo, como outrem mandava,
e enfim o mar, por sobre nós, fechou-se

A Divina Comédia (Edição Bertrand, Lisboa, 1995 )

Influência na literatura de língua inglesa

Lord Alred Tennyson
(...)
Much have I seen and known; cities of men
And manners, climates, councils, governments,
Myself not least, but honour'd of them all;
And drunk delight of battle with my peers,
Far on the ringing plains of windy Troy.
I am a part of all that I have met;

Circundando a ardente reflexão poética de Tennyson, temos outras versões de Ulisses, desde a Odisséia, de Homero, e o Inferno, de Dante, a Tróilo e Créssida, de Shakespeare, e a transformação de Ulisses, operada por Milton, na figura do Satã dos primeiros livros de Paraíso Perdido. Indireto e contrapontístico, o “Ulisses” de Tennyson possui uma eloqüência notável, bastante acessível à memorização, talvez, porque, em muitos leitores, existe algo que promove uma imediata identificação com esse herói tão ambíguo, essa grande figura da Literatura Ocidental. por Harold Bloom em “Como e Por que Ler”, página 70

Leia o poema completo e aprenda mais na Wikipedia.

Shakespeare

Ithaca, C. P. Cavafy

As you set out for Ithaka
hope your road is a long one,

(...)

Hope your road is a long one.
May there be many summer mornings when,
with what pleasure, what joy,
you enter harbors you’re seeing for the first time;
may you stop at Phoenician trading stations
to buy fine things,
mother of pearl and coral, amber and ebony,
sensual perfume of every kind—
as many sensual perfumes as you can;
and may you visit many Egyptian cities
to learn and go on learning from their scholars.

Leia o poema completo.

Mestre dos Mares, de Patrick O’Brian

Patrick O’Brian em sua magistral série Mestre dos Mares (Aubrey-Maturin) faz algumas referências a Homero. No livro “Treason’s Harbour” temos a seguinte citação:

“Certainly he had heard of Homer, and had indeed looked into Mr Pope’s version of his tale; but for aught he could make out, the fellow was no seaman. Admittedly Ulysses had no chronometer, and probably no sextant neither; but with no more than log, lead and lookout an officer-like commander would have found his way home from Troy a d—d sight quicker than that. Hanging about in port and philandering, that was what it amounted to, the vice of navies from the time of Noah to that of Nelson. And as for that tale of all his foremast-hands being turned into swine, so that he could not win his anchor or make sail, why, he might tell that to the Marines. Besides, he behaved like a very mere scrub to Queen Dido.”

Além disso, o título da sua história “The Wine-Dark Sea” é uma clara referência ao texto da Ilíada e a discussão de academicos sobre o que Homer quis dizer com mar cor de vinho.:

Foi então que pensou outra coisa o divino Aquiles de pés velozes
pôs-se de pé, afastado da pira, e cortou uma loira madeixa,
cujo comprimento ele mantinha prometido ao rio Esperqueio.
Entristecido assim disse, fitando o mar cor de vinho

Ilíada, Canto XXIII: 140-143

Ulisses, James Joyce

É um romance criado pelo escritor irlandês James Joyce, nele o famoso Ulisses passa 18 horas (ao invés dos 10 anos) viajando por Dublin na pele do agente de publicidade Leopold Bloom. Joyce pretende apresentar toda a experiência humana, condensada em uma viagem no limitado ambiente de Dublin. Cheio de referências á Ilíada e Odisseia, é um livro que aparece com frequência em listas de livros mais importantes da humanidade.

Influência na literatura de língua portuguesa

Os Lusíadas, Luís de Camões
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se levanta.

Os Lusíadas, Camôes. Canto I: 3

Em “Os Lusíadas” Camões faz diversas referências á Ilíada, por exemplo quando menciona o “sábio grego” que sabemos ser o Odisseu de muitos ardis. Quando ele cita “o Troiano”, ele se refere a Eneias, contado por Virgílio em Eneida e herói troiano da Ilíada. Além disso, para Camões a “musa antiga” é a literatura grega e latina. O primeiro canto dos Lusíadas é claramente inspirado no modelo greco-romano de poema épico, revelando o assunto que o poema irá tratar, pedindo inspiração e proteção às Musas e a narrativa começa com o concílio dos Deuses no Olimpo. Canta, ó Musa!

Ulisses, Fernando Pessoa
Ulisses

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo –
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade.
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.

Para compreender esse poema de Fernando Pessoa, devemos saber que existe uma lenda portuguesa que diz que Ulisses foi o fundador de Lisboa . A professora Ernani Terra faz uma análise muito interessante desse poema, e nos revela seus significados ocultos.

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