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Livro O Gene: Uma História Íntima

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O Gene

O Gene: Uma história íntima

Há diversos livros sobre história da ciência alguns mais densos e formais como “História da matemática: uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas” da professora Tatiana Roque e outros mais gerais e leves como o bem humorado “Uma breve história de quase tudo” de Bill Bryson mas nenhum desses conseguiu ser tão comovente, inspirador, abrangente e ao mesmo tempo pessoal e sensível como “O Gene - uma história íntima” de Siddhartha Mukherjee. Nele o autor procura elucidar a história da genética: como partimos de ideias desconexas sobre hereditariedade (vindas de Aristóteles e Pitágoras) e chegamos ao projeto Genoma Humano e a manipulação genética no século XXI.

Gene é uma das três ideias científicas fundamentais para definir o século XX – juntamente com o átomo e o bit. Aprendemos a ler e manipular a hereditariedade e isso trouxe desdobramentos influentes e perigosos, da mesma forma que aconteceu com as unidades básicas da informação (bit) e da matéria (átomo). Com a genética podemos descobrir doenças antes mesmo do nascimento, podemos pensar em terapias genéticas para doenças até então incuráveis, podemos fazer alterações no código da vida. A importância desse livro é levantar questionamentos: o que é normal e o que é anormal? Quais os limites éticos da experimentação genética? Que desafios esse conhecimento nos impõe?

Esse livro é a história do nascimento, crescimento, influência e futuro de uma das mais poderosas e perigosas ideias na história da ciência: o “gene”, a unidade fundamental da hereditariedade e a unidade básica de toda informação biológica.

(…) Três ideias profundamente desestabilizadoras ricochetearam por todo o século XX e se dividiram em trẽs partes desiguais: o átomo, o byte, e o gene. (…) No entanto, incomparavelmente o paralelo mais crucial entre essas ideias é o conceitual: cada uma representa a unidade irredutível – o tijolo construtor, a unidade organizacional básica – de um todo maior: o átomo, da matéria; o byte (ou “bit”), da informação digitalizada; o gene, da hereditariedade e informação biológica.

Em “O Gene” o autor nos mostra as relações humanas que estão envoltas na genética: a história dos cientistas que desenvolveram estudos sobre genes, como essas teorias foram usadas no campo social e político, e como é a relação familiar entre pessoas moldadas por condições genéticas como a própria família do autor. Darwin, através de anos de pesquisa, coletando e estudando animais e plantas ao redor do mundo desenvolveu a teoria da evolução por seleção natural; seu primo, Francis Galton após ler sua magnum opus “A Origem das Espécies” e influenciado pela sua própria formação e visão de mundo criou a eugenia, com consequências malignas para o mundo; Rosalind Franklin se dedicou em pesquisas usando Raio-x para conseguir uma imagem que nos desse a compreensão da estrutura do DNA, mas foram James Watson, Maurice Wilkins e Francis Crick que descreveram a molécula da hereditariedade e levaram o prêmio Nobel. Franklin morreu prematuramente de câncer aos 37 anos, um destino tragicamente semelhante ao da Marie Curie, provavelmente vítima de suas próprias pesquisas com a radiação.

O livro é dividido em seis seções, onde o autor equilibra avanços científicos com precipícios éticos. Na primeira seção, “A Ciência perdida da hereditariedade” conta a história do trabalho científico de Darwin e Mendel, e como essas foram as bases para a genética moderna. Junto com isso há capítulos sobre eugenia, o grande mal que foi derivado a partir dos primeiros estudos genéticos, juntando ciência ruim com racismo e imperialismo o que levou a consequencias terríveis pelo mundo (ele cita principalmente a Alemanha Nazista e os EUA do começo do século XX). Na segunda seção, “Na soma das partes só existem as partes”, o autor continua equilibrando avanços nas ideias e retrocessos no mal uso dessas ideias, e explora a descoberta física do material da hereditariedade dentro das células. Em “Os sonhos dos geneticistas” a eugenia já está superada como uma falsa ciência, e a comunidade científica é confrontada com outros perigos éticos relacionados ao estudo e manipulação de genes. Na seção 4 “O estudo apropriado à humanidade é o homem” a genética começa a entrar no campo da medicina, com os primeiros testes genéticos e diversas doenças genéticas sendo identificadas analisando casos em famílias. Também é aqui que é explicado o grandioso Projeto Genoma Humano para mapeamento dos genes. Em “Então, a gente é igual” a ciência moderna, através de estudos genéticos em populações humanas contemporâneas e ancestrais, mostra como somos muito mais parecidos do que imaginamos, como o conceito de raças usado por eugenistas e racistas não tem base na genética e como os genes podem moldar tendências de comportamento (“a primeira derivada da identidade”). Finalmente em “Pós genoma” ele chega na atualidade, onde conseguimos modificar seres vivos, alterar genes humanos, e mudar o futuro de populações. Ele explica o método CRISPR/Cas9 para alterações genéticas precisas e eficazes, até mesmo em células reprodutivas.

O átomo fornece um princípio organizador para a física moderna – e nos atiça com a perspectiva de controlar matéria e energia. O gene fornece um princípio organizador para a biologia moderna – e nos atiça com a perspectiva de controlar nosso corpo, destino e futuro.

Como disse Carl Sagan, “Nós somos uma maneira do Cosmos conhecer a si mesmo”. Hoje entendemos o código da vida, e com isso somos capazes de fazer maravilhas como as vacinas de RNA e terapias genéticas, mas somos confrontados com a grande responsabilidade de não usar esse conhecimento para refazer os horrores da eugenia (que teve seu apogeu no Nazismo, mas que também trouxe destruição e sofrimento na China, na India, nos EUA e no Brasil).

O Gene fala desde Darwin e Mendel a Jennifer Doudna e Emmanuele Charpentier, conta dos horrores da eugenia e das teorias infundadas do racismo científico, descreve experimentos que levaram à descoberta dos cromossomos e do DNA, fala sobre sequenciamento e sobre modificações genéticas.

Fundamentalmente, o livro versa sobre ética e sobre nosso futuro como espécie. Podemos ler e alterar nosso próprio genoma, mas será se devemos?

Continuando as leituras